quinta-feira, 19 de junho de 2014

Em 1984, o Iron Maiden deu uma aula de história e musicalidade aos headbangers

A capa de Powerslave é a preferida da maioria dos fãs
Por Bruno Eduardo

Uma banda de heavy-metal que faz homenagem a um instrumento de tortura medieval soaria como uma piada pronta nos dias de hoje. Três décadas se passaram, e Powerslave continua épico em seu tempo. Se o grupo é conhecido hoje por capas de discos fantásticas e uma deslumbrante condução de temas, a culpa é de Powerslave.


Powerslave nada mais é que uma variedade de ritmos, que são impiedosamente esmagados por riffs de guitarras cortantes e um bocado de letras inteligentes. Letras inteligentes? Examinando rapidamente as primeiras capas de discos do Iron Maiden, ninguém poderia imaginar que haveria algum sinal de vida inteligente naquela obra. Afinal, em seus dois primeiros discos, encontramos um zumbi de cabelos crespos chamado Eddie - que mais parece uma criação artística de um jovem de 16 anos de idade, com algum talento. Os títulos também não ajudam: Killers e The Number of the Beast (que viria a seguir) soam clichês demais - aquela velha tentativa de brutalidade e diabrura que 90% das bandas de heavy metal se apoiam. Superficialmente seria patentemente ridículo, mas estamos falando de uma das bandas mais emblemáticas que já passaram por esse planeta.


Afinal de contas, mesmo com uma embalagem ainda mal definida, a banda obteve um verdadeiro sucesso comercial (tanto na Inglaterra quanto ao redor do mundo). Um dado curioso, foi quando alcançaram a marca de 500.000 álbuns vendidos na Finlândia. Estamos falando de um país com apenas cinco milhões de pessoas - brincando com a aritmética, poderíamos dizer que um em cada dez finlandeses possui um álbum do Iron Maiden.


Não se pode negar: no gênero do heavy metal, a música do Iron Maiden é imbatível. Uma variedade ridícula (no bom sentido) de riffs, e níveis impressionantes de musicalidade. 


No entanto, o que sempre separou o Iron Maiden das outras bandas de metal ​​foram os temas de suas canções. O interesse lírico do grupo foi fundamental para que pudessem viver tantos anos num patamar acima - algo entre o cult e o pop. O Iron Maiden nunca escreveu uma música sobre sexo, drogas ou rock and roll. Os caras estavam muito ocupados cantando sobre literatura e história. Atente aos títulos das músicas: "The Loneliness Of The Long Distance Runner", "Flight of Icarus", "Alexander The Grate". Só que nem todos os seus temas são tão transparentes. Por exemplo: "The Trooper" é a versão da Donzela para "A Carga da Brigada Ligeira"; e "To Tame A Land" é baseado no sci-fi clássico, Dune, de Frank Herbert. 


Quando os fãs do Iron Maiden são questionados sobre qual seria o melhor disco da banda, eles certamente apontam para um dos três primeiros de Bruce Dickinson: The Number of the Beast, Piece of Mind ou Powerslave. Cada um deles possui pontos emblemáticos, embora eu ache que Powerslave tenha sido um disco pontual para a definição de um estilo próprio - baseado em temas pré-determinados e capas de discos espetaculares. As músicas do álbum são magníficas. A primeira faixa, "Aces High", é o exemplo de tudo que melhor existe no heavy-metal. Ela fala sobre a Batalha da Grã-Bretanha, contada a partir da perspectiva de um piloto britânico. Na turnê do disco, em 1984/85, o Iron Maiden iniciava seus shows tocando o trecho de Winston Churchill, "Never Surrender", emendada pela música. O que felizmente pôde ser conferido na primeira passagem do grupo pelo Brasil, no Rock in Rio, em 1985.


"Two Minutes to Midnight" é uma canção anti-nuke. Embora haja um trecho com uma afirmação contundente ("o sangue é a mancha da liberdade"), ela também sugere que durante a Guerra Fria, ambos os lados foram iludidos. O título é uma referência ao Relógio do Juízo Final, cujo principal propósito é servir como uma ferramenta de propaganda da esquerda. Na época, muitos duvidaram de que o grupo teria tendências comunistas - eles não têm. Ainda assim, uma das coisas mais legais de Powerslave é essa tentativa de decifrar o significado de suas letras.


Há temas variados, que vão além dos combates aéreos, como a faixa "The Duellists" - relacionada ao swordfighting (luta de espadas) - para quem não sabe, o vocalista Bruce Dickinson é esgrimista. O grupo usou como temas principais, o filme de Ridley Scott, "Os Duelistas" (que por sua vez é baseado no romance de Joseph Conrad, The Duel) e mitologia egípcia (daí motivo faraônico da capa do álbum).


O destaque do Powerslave, no entanto, é a sua última faixa climática, "Rime of the Ancient Mariner". Sim, ela é inspirada no poema de Samuel Taylor Coleridge - de mesmo nome. O crédito da música vai para o baixista Steve Harris, que fez um brilhante e engenhoso trabalho ao conseguir atolar algumas das palavras mais célebres de toda a literatura Inglesa numa canção de rock.  A coisa toda se passa por mais de 13 minutos - onde o Maiden viaja junto ao navegador, atravessando o horizonte com o albatroz, o navio fantasma, e assim por diante. Pelos padrões do rock and roll, a música é um épico. E mesmo com sua longa duração, ela dissipa qualquer chance de tédio - graças, principalmente, a todas as mudanças de clima e suas palavras cheias de significado. 


Ok, há muita gente hoje em dia fazendo música pesada com letra pretensiosa. Não discuto. Embora seja inevitável afirmar que para tudo na vida há uma obra-prima impossível de ser reproduzida.


Esse é Powerslave!

5 comentários:

  1. Difícil. Fico entre Powerslave com sua forçae peso e a épica Rime Of The Ancient Mariner, com suas variações e poesia. Acho que fico com Rime Of The Ancient Mariner! Belo texto Brunão!

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  2. Muito bom o texto Bruno Eduardo...abraço

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  3. Com certeza os discos citados no texto (The Number of the Beast, Piece of Mind e Powerslave) são obras primas. Mas na minha opinião, obviamente, o melhor disco do Iron é o Seventh Son of a Seventh Son.

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