Foto: The Real Thing (Faith No More)
Capa de The Real Thing versão LP, uma das mais belas da banda |
Um show pode mudar a vida de um disco? Aqui no Brasil, isso aconteceu. Em janeiro de 1991, eu fui assombrado por um show épico. Lembro, que aos 12 anos de idade com as mãos dadas ao meu pai, saía do Maracanã (Rock in Rio 2) perguntando : “Afinal, o que era o Faith No More?”.
Para responder a esta minha pergunta, meu pai, que não era bobo, tratou de correr atrás do disco, que para a surpresa da maioria, já estava na praça há dois anos (desde 1989). E não só por mim, como por milhares de pessoas nesse país, The Real Thing foi caçado selvagemente durante todo ano de 1991.
Se o Faith No More é o Faith No More e se Mike Patton é o Mike Patton, a culpa original é de The Real Thing, o disco que transformou, que mudou, que deu vida a essa banda. Mesmo com dois discos na bagagem e assinatura com um grande selo em 1987, eles não passavam de um grupo de rapazes esquisitos da Bay Area que flertava com o pós punk e o funk rock dos Chili Peppers. No entanto, com a saída do vocalista Chuck Mosley e a entrada do carismático Mike Patton - um ano após o lançamento de Introduce Yourself - a banda enfim aconteceu.
Para a grande maioria dos brasileiros, o contato com o Faith No More se deu pela MTV - principalmente pelas mãos de Gastão Moreira, que apresentou a banda pela primeira vez em seu início na emissora, além de ter sido também o único jornalista brasileiro a entrevistar Mike Patton para um veículo de TV, quando a banda chegou ao fim em 1998. Antes, Zeca Camargo teria conseguido esse feito, no auge do sucesso (1991).
É curioso dizer que hoje em dia este é o disco pop do Faith No More. Curioso, porque na época, ele era facilmente encontrado nas prateleiras de heavy metal. The Real Thing trazia um rock enérgico e ao mesmo tempo inteligente. Considerado o álbum do ano por tabloides conceituados (como Spin e Kerrang), o disco conseguia misturar as exóticas influências de seus integrantes, e, ainda assim, tinha um som característico para a época- com tendências ao hard/trash. Ironicamente, as tais influências individuais - que sepultariam o grupo no futuro - faziam a máquina funcionar em The Real Thing. A cozinha Gould/Bordin era o que o Red Hot Chili Peppers e o Living Colour tinham de melhor no momento. E Roddy Bottum, que sempre foi subestimado pelos grandes críticos, tinha uma importância fundamental no som da banda.
O disco abre com “From Out Of Nowhere” e seu riff de teclado contagiante. Em seguida, o clássico da banda, “Epic”, que foi por muito tempo um dos hits mais inovadores do rock pesado. Mantendo a sequência híbrida, vem o outro hit, “Falling To Pieces”, e a porrada no pé do ouvido “Surprise! You’re Dead!”. Parecia suficiente, mas não era. O lado A (do LP, lógico!) ainda reservaria uma das canções prediletas dos fãs: a excelente “Zombie Eaters”, que traz um misto de drama e ironia na interpretação de Patton - a letra fala da dependência materna, na perspectiva de um bebê (?) - municiada por um instrumental meio nonsense do Faith No More.
O melhor do álbum ainda viria resumido em pouco mais de oito minutos, na progressiva faixa-título. Esta é também considerada pela maioria dos fãs como a melhor letra escrita por Patton no FNM. E aqui ele mostrava todo seu ecletismo, com vocais suaves, agudos e agressividade.
“Underwater Love” revela a capacidade pop da banda em um rock-romântico dos bons; e “Woodpecker From Mars” é uma epopeia instrumental - uma ode ao thrash metal com progressivices (bem ao estilo do guitarrista “persona non grata” da banda, Jim Martin).
No fim do disco, dois grandes momentos: a balada blues e sucesso radiofônico da época, “Edge of the World”, e a cover fidelíssima e brilhantemente executada de “War Pigs”, do Black Sabbath. Muitos fãs não sabem, mas o Faith No More já executava a cover do Sabbath em seus shows desde 1987, ainda com o vocalista Chuck Mosley.
The Real Thing obteve um sucesso estrondoso ao redor do mundo, e popularizou um estilo até então novo, rotulado de funk o’metal. Como era de se esperar, o Faith No More virou moda nos quatro cantos do planeta - aqui no Brasil então, foi uma febre quase incurável. Curioso, é que a banda disse ter recebido o sucesso como um alívio. Segundo o tecladista Roddy Bottum, a sensação do grupo com a fama não foi um "Uau, que demais!", e sim, um "Pôxa, até que enfim!" - nas palavras do mesmo.
E qual seria a importância de um disco 27 anos após seu lançamento? A vitalidade de sua música! Sobreviver mais de duas décadas e meia, intocável, não é para qualquer um. Após The Real Thing, a banda inovou mais uma vez no genial Angel Dust. Mas aí já é uma nova história, que foi contada em um outro capítulo AQUI.
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