Matanza encerrando a sexta edição do festival no Rio (Foto: Guto Jimenez) |
O Circo Voador foi mais uma vez o palco escolhido pra mais uma edição do Matanza Fest, o festival de bandas de rock com estilo mais agressivo assim como os “donos da festa”, por assim dizer. Na edição deste ano, houve um direcionamento maior ao punk rock com três bandas de abertura (Cabeça, DFC e Inocentes) mostrando algumas das nuances do gênero e deixando o ótimo público presente mais do que aquecido e preparado pra apoteose provocada pelo Matanza. Ou seja, uma bela noite recheada de grosseria e muita diversão!
No quesito diversão, o primeiro show da noite com a banda Cabeça foi insuperável. O trio formado por Fábio Kalunga, Nobru e Pedrinho subiu ao palco depois de mais de 12 anos sem tocar no local e, como sempre, deixou sorrisos nos rostos da gente que começava a chegar ao Circo. Eu já havia assistido ao retorno da banda há algumas semanas na Audio Rebel e fiquei impressionado com a evolução dos músicos: todos eles se transformaram em instrumentistas muito cascudos, fato que só aumentou o prazer de assisti-los mais uma vez ao vivo. Eles fizeram um set repleto de clássicos da banda, como “Quem não cola não sai da escola”, “Não pode ficar parado” e “Street no Flamengo é podre” – a minha favorita enquanto skatista veterano que já morou naquele bairro carioca. Talvez em homenagem ao recém-lançado vídeo de “Vara verde”, a execução da música contou com uma quase performance do Nobru que envolveu um arremesso de guitarra pro alto e do próprio guitarrista no chão. A melhor descrição pro show foi feita por uma mulher que estava atrás de mim, após eles tocarem o hino “Tutupá”: ‘isso é genial, eles dizem tudo sem falar nada’... Assim é o Cabeça - ou Açebac, pros mais chegados: total descompromisso com a seriedade desse mundinho velho onde vivemos.
A próxima banda foi o DFC, um dos nomes mais consagrados e respeitados do HC nacional. O vocalista Túlio estimava em mais de duas décadas vir tocar no local, quase que uma eternidade em se tratando de uma banda que tem uma vasta discografia como eles, mas isso não fez a menor diferença: o show foi extremamente energético, fazendo a galera pogar quase que sem parar. Uma pequena introdução instrumental foi o aperitivo pro desfile de sons velozes e rudes da banda, com as críticas ao sistema de “Pau no cu do capitalismo em posições obcenas” e “Lucro é o fim” e à desilusão das massas em “Eu quero vomitar” e “Todos eles te odeiam”. Sobraram homenagens a algumas cidades, como o Rio do pastor-prefeito em “Vai se fuder no inferno” (deixando aquela desconfortável sensação de riso amarelo) e a sua Brasília natal em “Cidade de merda”. Outros destaques da apresentação foram “Roleta russa”, “Petróleo maldito”, “Punk ou punqui”, “Respeito é bom e conserva os dentes” e “Vou chutar a sua cara”. Uma distração na parte final do show quase o encurtou em alguns minutos, mas a banda se redimiu a tempo e ainda houve tempo pra eles encerrarem com a histórica “Molecada 666”. Sem dúvida nenhuma, o vigor da banda em tocar mais de 30 músicas em cerca de 40 minutos foi totalmente recompensado pelo suor e adrenalina da turba ignara, que pulou tanto que fez o local ficar parecido com uma panela de pipoca.
Um breve intervalo e os Inocentes tomaram conta do pedaço. Num país mais justo que honrasse mais os seus grandes ídolos musicais, o nome de Clemente Tadeu estaria alçado ao panteão dos grandes ícones do rock brazuca em todos os tempos; não é exagero afirmar que ele é a voz e a alma do grupo e um dos nomes mais importantes do punk rock mundial. Seus veteranos asseclas fornecem o suporte que o mestre merece, com a guitarra incendiária de Ronaldo Passos, o baixo mais do que preciso do Anselmo e a bateria estilo Uzi do Nonô. Não tinha como dar errado! Abriram a performance com a mitológica “Miséria e fome” e tome clássicos em cima de clássicos: o hino “Garotos do subúrbio”, “Salvem El Salvador”, “Desequilíbrio” e “Medo de morrer” tocada ao velho estilo, mais sujo e menos carregado de metal. Na sequência, o líder chama ainda mais o público em “4 segundos” e em “Rotina”, com direito a marcação de palmas por parte da plateia, pra depois emendarem em “Expresso Oriente”. O primeiro cover foi “São Paulo”, do 365, a música mais conhecida do repertório daquele grupo, seguida de “Aprendi a odiar” e “Ele disse não”, a favorita do tiozinho aqui. Clemente apresentou “Restos de nada”, a primeira música que ele compôs há quase 40 anos a qual também era o nome de sua primeira banda, pra depois comandar o coro em “Não acordem a cidade”. Era hora de mais um cover, dessa vez com a ilustre e insana participação de Larry Antha cantando a inacreditável “Franzino costela”, e confesso de ter visto várias pessoas dando risadas com a saga do jovem que apanhava de ‘vara de vergalhão, vara de araçá e cabo de vassoura’. Encerrando o show, duas pérolas do repertório deles que mostram com nitidez a notória capacidade do líder em prever alguns dos fatos mais significativos da história recente do país; afinal, atualmente é quase impossível de se ouvir “Pânico em SP” sem se lembrar dos frequentes tumultos da Paulicéia, enquanto que “Pátria amada” deixa no ar a pergunta que nunca se cala: ‘de quem é o país afinal / é do povo nas ruas ou do Congresso Nacional?’. Já tem uns 35 anos desde que eu assisti aos meus primeiros shows dos Inocentes, nos extintos Templo (SP) e no Dancy Meyer (RJ), e estou certo de que jamais deixarei de sentir a mesma emoção da época de cabelos mais fartos e joelhos sadios. Como sempre, uma verdadeira aula magna de punk rock.
Encerrando a noite, os virulentos anfitriões do Matanza. O MTZ não é somente uma das bandas mais conhecidas e importantes do cenário independente nacional na atualidadde, eles já se transformaram numa verdadeira instituição com seguidores fiéis e apaixonados que lotam os seus shows por todo o país. Suas letras quase visuais que fazem odes aos losers e aos momentos desgraçados da vida, somadas à maçaroca sônica potente como uma turbina de avião, dão à sua verdadeira legião de fanáticos fãs aquilo que merecem: virulência pura e brutal. O ogro nórdico Jimmy London é saudado com o carinhoso coro de “ei Jimmy, VTNC!”, respondendo com o seu “só digo uma coisa: PQP!” e abrindo o set com a envenenada “Interceptor V-6”. A partir daí, o coro de gritos com hálito de álcool não parou mais por nem um minuto sequer, acompanhando desde clássicos como “Santa Madre Cassino”, “Bom é quando faz mal” e “Tudo errado” até canções mais recentes como “Mulher diabo”, “O que está feito, está feito” e “Matadouro 18”. Na verdade, não rola muito dessa distinção num show deles já que praticamente todas as músicas parecem viver em seus próprios universos, e tome “Tempo ruim”, “O chamado do bar”, “Five feet high”... Em “Clube dos Canalhas”, por exemplo, quase não consegui escutar o que o meu cérebro pensava, de tão potente que foi o acompanhamento dos espectadores aliado ao esporro promovido pelos caras no palco. A única folga pra já sacrificada audição foi o momento “Parabéns pra você” em homenagem ao guitarrista Maurício; fora isso, só ignorância em sua forma mais primitiva. E tome PQP com “Tempo ruim”, “Ressaca sem fim”, “Maldito hippie sujo”, “O último bar”, “Ela não me perdoou”, “Meio psicopata”, “Sabendo que posso morrer”... Uma galeria de tijoladas no quengo que só teve fim com “Ela roubou o meu caminhão”, “Estamos todos bêbados” e o bis da música de abertura, encerrando as quase duas horas do rolo compressor musical.
Um show é bom quando você sai satisfeito dele e é excepcional quando os momentos não se apagam de sua memória, mas o Matanza Fest vai muito mais longe do que isso. Você sai desnorteado, com a sede e a fome de um viking após uma longa expedição pelos mares, e ainda assim sente uma inexplicável vontade de “quero mais”, mal conseguindo conter a expectativa pela próxima vez. Resumindo: antológico!
Nenhum comentário:
Postar um comentário