terça-feira, 21 de outubro de 2014
A ousada releitura do Flaming Lips ao disco mais influente dos Beatles
Banda psicodélica de Wayne Coyne faz covers surtados do álbum mais clássico e influente dos Beatles
Por Lucas Scaliza
O The Flaming Lips gosta de colaborações. Em 2012 lançaram The Flaming Lips and Heady Fwends, um registro de 13 canções esquisitas, cada uma com algum ilustre convidado, entre eles Yoko Ono, Tame Impala, Erykah Badu, Lightning Bolt, Nick Cave, Bon Iver, Kesha, entre vários outros. Também gostam de dar a cara da banda psicodélica de Oklahoma a discos clássicos: em 2011, o Flaming Lips contou com a ajuda dos músicos da banda Stardeath & The White Dwarfs, do artista performáticoPeaches e do jornalista e ator Henry Rollins para recriarem The Dark Side of The Moon, um dos mais celebrados discos da história do rock, originalmente lançado peloPink Floyd em 1973.
Após meses de espera temos em fim a oportunidade e conhecer With a Little Help From My Fwends, a recriação de todo o Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, disco icônico lançado em 1968 pelos Beatles e que influenciou geração após geração de músicos e artistas. Para essa ambiciosa empreitada, Coyne escalou diversos convidados, entre eles Miley Cyrus, Moby, Foxygen, novamente os amigos do Stardeath & White Dwarfs, Grace Potter e de Ben Goldwasser (do MGMT), My Morning Jackett, entre vários outros nomes.
O resultado é um disco muito criativo, que respeita a música original de John, Paul, George e Ringo, preservando muitas características originais, mas que não perde a chance de deixar cada música um pouquinho mais estranha, um pouquinho mais psicodélica e chapada. Percebe-se que houve liberdade criativa e interpretativa para chegar ao resultado final. O uso de elementos eletrônicos é notável.
A abertura, “Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band”, traz um vocal infantil nos versos e uma instrumentação mais suja que o original, mas preserva todas as nuances originais, com exceção do solo de guitarra, estridente e que encobre, de propósito, todo o trecho da música em que se insere. “With a Little Help From My Friends” ainda é melodiosa, mas ganha acréscimo de ruídos e um vocal com eco gritado do fundo da gravação. Já “Lucy in The Sky With Diamonds” traz Miley Cyrus no vocal principal – e não é que a menina respeita a música original? Apenas o refrão ganhou excesso de peso, soando como um terremoto.
“Getting Better” é permeada de sintetizadores e intervenções eletrônicas, mas continua com uma linha irresistível de baixo e melodia de refrão contagiante. “She’s Leaving Home” e “Being For The Benefit of Mr. Kite” tiveram a percussão recriada eletronicamente e instrumentos substituídos por atmosferas de teclado, mas as melodias vocais ainda são as mesmas. “…Mr Kite” ganhou uma dose extra de vertigem e carga de ácido nas mãos do Flaming Lips e dos convidados Puscifer, Sunbeams eMaynard James Keenan. “Within You, Without You” ainda é a música de inspiração orientalista que todos nós conhecemos, mas imagine uma interpretação viajante em LSD. É nisso que foi transformada.
“When I’m Sixty-four” ficou bem ruidosa. A melodia ainda está lá, mas quem gostava da interação da banda e apreciava as mudanças de acordes bem marcadas, pode estranhar essa versão mais eletrônica. “Lovely Rita” tem vocal competente da dupla indie canadense Tegan & Sara ao lado do Stardeath & The White Dwarfs e o resultado é um dos mais legais do disco.
Todas as músicas são facilmente reconhecíveis, mas todas soam como se reproduzidas por uma mente psicótica. “Good Morning Good Morning”, por exemplo, é tão suja quanto feliz, e uma das mais distorcidas. O bom gosto do Foxygen e de Ben Goldwasser aliado à liberdade de mixagem do Flaming Lips transforma o reprise de “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” em uma das faixas mais interessantes e cheias de efeitos, chegando a ficar estridente em alguns momentos.
Por fim há uma das melhores músicas do disco e da carreira dos Beatles: “A Day in the Life”. Toda a primeira parte da canção fica a cargo do pessoal do New Fumes. O crescendo da orquestra na música original é substituídos por uma sucessão de ruídos cada vez mais altos que acabam desembocando numa batida eletrônica mais calma. Entre essas batidas e notas tremulantes de um sintetizador Miley Cyrus assume novamente os vocais. Canta com certo tédio, seguindo a melodia original, e o resultado é ótimo. Em suas duas participações não houve estrelismo e nem vontade de impressionar, mantendo-se totalmente alinhada à forma de reinterpretar as canções proposta por Wayne Coyne & cia. O crescendo final também é uma sucessão de efeitos eletrônicos e não há aquela última nota originalmente executada ao piano. O término é seco, seguido apenas de uma curta frase de Cyrus.
Quando recriaram The Dark Side of The Moon, o Flaming Lips inverteu cadências, tornando acelerado e cheio de instrumentação o que originalmente era mais econômico, e tornando mais calmo o que era mais agressivo. Até as melodias de voz sofriam ajustes por causa disso. Em With a Little Help From My Fwends as melodias preservadas garantem rápida identificação com todas as canções. As participações sabem seu lugar e nenhuma chama mais atenção do que outra. Apesar de todos os ruídos e de toda a ambição do projeto – estamos falando de um dos álbuns mais importantes do século 20!!! – Coyne alcança o equilíbrio entre música e piração, recriação e homenagem.
Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.
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