domingo, 19 de março de 2017

Discos: Depeche Mode (Spirit)

Foto: Divulgação
Depeche Mode volta com "Spirit", seu novo e ótimo disco de inéditas
DEPECHE MODE
"Spirit"
Verve Records; 2017
Por Gabriel Sacramento

O Depeche Mode é uma banda que realmente tem o que dizer com seu trabalho. Seja falando por meio da atmosfera obscura, atmosférica e fria que a banda desenvolveu revolucionando todo o contexto da música eletrônica nos anos 80, ou por meio das letras pessimistas que vão de política e religião a abusos de drogas, sempre, como uma vez disse o compositor Martin Gore, com “algum elemento de esperança”.

Se a banda merece respeito e reconhecimento por ter influenciado tantos grupos e artistas importantes para a música, merece destaque também por ter mantido a boa fase depois de tantos anos. Assim como um de seus maiores influenciados, o Deftones, o Depeche Mode vem a cada disco nos ensinar como manter constância na carreira e como sempre soar relevante mesmo depois de ter atingindo o ápice. Vale ressaltar que eles não fazem isso buscando a solução mais fácil, que seria a autorreferência barata. Cada álbum tem um frescor novo, único, que reflete o momento da banda.

O primeiro single liberado, “Where’s The Revolution”, traz uma forte crítica política. Gore pergunta: “Quem está tomando suas decisões, você ou sua religião? Seu governo? Seu país?”. Além da conclamação à revolução que parece não estar perto de acontecer, a banda nos envolve com uma base cheia de texturas impressivas e um som com um feeling meio industrial. “The Worst Crime” é mais arrastada, tensa e triste, com uma guitarra ressoando forte, encharcada de efeitos. A canção possui um clímax interessante no refrão, mas sem perder a linearidade e a melancolia. Batida eletrônica, vocais distorcidos e outros elementos eletrônicos preponderantes formam “Scum”, que vem para deixar claro que o Depeche Mode ainda é autoridade quando se fala em música feita com sintetizadores. A mesma autoridade que faz a banda ter liberdade para uma espécie de jam eletrônica longa em “Cover Me”, com um solo de sintetizador e um pouco da atmosfera carregada da música – que inclusive lembra vagamente o Pink Floyd.

Poison Heart” remete à soul music, música indie e possui aquela verve obscura típica da banda. “So Much Love” é mais um exemplo de boas texturas, boas guitarras entrelaçadas, batidas fortes e industriais e de como esses elementos unidos conseguem cativar o ouvinte. Destaco também as melodias do refrão, com um potencial grandioso justamente por ser difícil tirá-las da memória. “Poor Man” começa com sintetizadores simples e precisos, desbocando em uma grande e confusa massa sonora do meio para o final. A letra vai fazer uma crítica às grandes corporações e como lucram indevidamente em cima dos empregados. Talvez até uma crítica às grandes gravadoras. “Going Backwards” tem uma letra pessimista sobre os rumos da humanidade depois de acontecimentos recentes, como a eleição de Trump e o Brexit. “Não temos evoluído, não temos respeito, perdemos o controle”, canta Dave Gahan.

Ouvindo da primeira até a última música, ficamos com a boa sensação de que o álbum possui uma coesão incrível e que cada faixa parece conectar e oferecer um adicional à anterior. Do início ao fim, a banda nos intriga com seu som frio, seco, texturizado, lento e dark. Não há espaços para o que o ouvinte tenha alívio. Em cada segundo de Spirit, o Depeche Mode evidencia com muita classe sua veia inorgânica e futurística.

A produção é de James Ford, que trabalhou com o Arctic Monkeys e Florence + the Machine. Ford conseguiu conciliar bem o desejo de soar moderno e de alguma forma revelante para os dias atuais, mantendo o som típico do grupo. Ou seja, ainda que com os mesmos elementos de sempre, temos um Depeche Mode que soa interessante. Essa atemporalidade impressiona e eleva a música, assim como atesta a capacidade de se manterem vivos depois de anos.

Spirit é denso, frio, caótico, eletrônico e mecânico. Sem momentos de leveza ou de diminuição da tensão, o Depeche Mode nos força a viajar em suas texturas, ser imersos no mar de frieza e “roboticidade”; e no meio de tudo isso, nos mostra um pouco de beleza. As letras mostram um Depeche Mode antenado no que está ocorrendo no mundo, mesmo que não tão contundentes quanto deveriam ser. Talvez não seja também tão pessimista quanto a banda costumava ser, e nem tão sombrio nas atmosferas, já que o foco é o eletrônico. Ainda assim, o novo álbum é um dos mais intrigantes da banda, mostrando que a fórmula ainda funciona, se encaixa bem no contexto histórico e tem um longo prazo de validade.

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