quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Discos: Canto Cego (Valente)

Foto: Divulgação
Da Maré à Suíça, primeiro disco do Canto Cego transborda inspiração
CANTO CEGO
Valente
Independente; 2016
Por Bruno Eduardo

Só não vê quem não quer. Para aqueles que andam chorando pelos cantos, reclamando que não há mais rock nas FMs cariocas, que o público bitolou, que agora só restam sertanejos universitários e todo esse chororô derrotado, eu vos digo: a salvação está nos becos. Bandas sedentas e cheias de tesão estão transpirando arte por todos os cantos - de Piedade à Lapa, de Duque de Caxias à Barra da Tijuca. O resultado dessa nova atmosfera roqueira você recebe em pequenos drops, como por exemplo, neste 'Valente', primeiro disco da Canto Cego, que consegue reunir em doze faixas uma inquietação artística rara e inspiradora.

'Valente' é um trabalho pulsante. A banda que saiu da Maré e encantou os suíços no conceituado Montreaux Jazz Festival traz toda a ânsia de 'fazer e acontecer' nesse seu debut. O álbum demonstra um instinto apurado em filtrar influências das mais diversas. O som do grupo parece uma esponja de parâmetros musicais, que transborda de forma sempre muito bem resolvida - seja com delicadeza e emoção ("Gigante") ou voracidade ("Fúria"). O grupo carioca possui uma acurada compreensão de suas referências e não deixa que esse caldeirão de sonoridades faça a massa desandar. Um grande exemplo é "Eu Não Sei Dizer", que abre o trabalho. A letra, de Marcelo Yuka, soa como um traje adequado e devidamente encomendado ao manequim da ótima Roberta Dittz. Isso acontece também em "O Dono da Ordem", outra parceria do Canto Cego com o músico. 

Apesar de suas diversas ramificações, 'Valente' nada mais é que um belo disco de rock. O maior exemplo dessa vertente perseguida pelo Canto Cego é "Zé do Caroço" - um samba clássico de Leci Brandão, gravado nos anos oitenta - que aqui aparece resoluto numa sessão de riffs de guitarra e refrão explosivo. "Fúria" também segue esse roteiro, só que algumas pitadas típicas de um hard rock. Já "Maestrina", é um conjunto de guitarras estridentes e melodia vocal que remetem à fase Chiaroscuro da cantora PittyMas a melhor mesmo é "Contra-Canto" - um rock voraz, com letra afiada e interpretação cortante de Dittz. O rock-poesia, que pontua a proposta do grupo desde os primeiros ensaios na Maré, chega devidamente representado nas faixas "Imaginário" e "Vão", que são, talvez, os resultados menos extravagantes dessa caminhada - porém, totalmente encaixados na mensagem da banda. 

Assim como o encarte do disco sugere, Valente é um conjunto de órgão vitais para a cena rock: há coração nas letras, cérebro nas resoluções melódicas e espírito no conjunto da obra. Para quem ainda teima em dizer que o rock anda claudicante apenas porque não aparece nos meios convencionais, este disco serve como um desmentido enfático. Coisa linda!

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